Quando as aulas da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) voltarem daqui a dez dias, os mais de 40 mil
alunos devem encontrar um cenário de incertezas. Com 30% do orçamento de 2019
ainda bloqueado pelo Ministério da Educação, a UFPE tem condições de funcionar
somente até setembro. O orçamento de agosto está garantido, mas ainda nem foi
liberado para empenho. É com esse dinheiro que a universidade paga despesas com
manutenção, energia, limpeza e segurança. O tempo corre, o impasse com o MEC
permanece e alunos e sociedade já sentem os efeitos do corte – ou
contingenciamento, como o Governo Bolsonaro nomeia.
Os professores do Departamento
de Geologia já foram comunicados que não vão poder fazer aulas práticas no
próximo semestre. A restrição, aliás, deve se estender para muitos outros
cursos: sem a manutenção adequada, os ônibus da UFPE só podem rodar na Região
Metropolitana do Recife. Não há verba para aluguel de transporte. Na semana
passada, a pró-reitoria de Extensão e Cultura suspendeu o edital Pibexc – que
oferece até R$ 3 mil para projetos e bolsas de R$ 382 para até dois alunos. Os
projetos já em execução estão com bolsas garantidas para os estudantes só até o
mês de dezembro. Os recursos para 28 projetos aprovados que
teriam início em agosto já foram suspensos: entre eles, um programa de
capacitação para zika oferecido a profissionais de saúde básica e de prevenção
da sífilis.
Mesmo os projetos que seguem
estão passando por dificuldades desde maio, quando foi anunciado o bloqueio e
as federais de todo o Brasil tiveram que puxar o freio. O projeto de extensão
Língua solta, do curso de Odontologia, é um deles: conseguiu manter duas bolsas
pelos menos até dezembro. É o único lugar no estado a fazer cirurgias gratuitas
em bebês que nascem com a “língua presa”. “Geralmente os médicos dizem que não
precisa, que quando crescer melhora, mas esses bebês encontram dificuldade para
mamar. Com uma pequena cirurgia, conseguem se alimentar muito melhor”, explica
o estudante bolsista Ítalo Ferreira Monteiro, do quarto período do curso. Há
meses em que o projeto atende até 240 bebês, vindos de várias cidades de
Pernambuco.
Com o bloqueio, alguns itens
começaram a faltar e a manutenção foi prejudicada. “Os materiais usados no
Língua Solta são à parte do projeto de extensão, mas o que acontece é que por
vezes a limpeza da clínica tem ficado defasada. Ano passado a limpeza era
perfeita. Hoje, falta sabão, falta papel adequado para poder embalar os
materiais…nem caixa de coleta para materiais cortantes estamos usando, porque
não está chegando dinheiro para isso”, lamenta.
Para este semestre, Ítalo
estava em um grupo de alunos e professores de outros cursos de saúde para
montar um projeto sobre imunologia. Agora, com a suspensão do edital, o projeto
vai ficar para o ano que vem.
Ítalo também é um dos
fundadores do movimento Balbúrdia
UFPE, que mostra nas ruas e nas redes sociais como é
importante o papel de uma universidade pública que invista na tríade ensino,
pesquisa e extensão. “Pernambuco tem muito a perder se esse bloqueio continuar.
Todo curso, todo departamento atende diretamente a população com os projetos de
extensão. Há atendimento odontológico, de nutrição, fisioterapia. O
Departamento de Educação Física, por exemplo, tem projetos com pessoas
cardíacas, especiais e idosos. Se a manutenção da universidade parar, esses projetos
todos também param, porque ninguém vai para a universidade se não tiver
segurança, energia. Acredito que na volta às aulas vamos encontrar muitas
dificuldades”, diz.
Estudante do quinto período de
Pedagogia, Estefane Domingos entrou na UFPE em sexto lugar no curso. Também faz
parte do Balbúrdia. “No Centro de Educação tem dois cursos
pré-vestibulares em que os alunos dão aulas. O Gradação, que começou este ano,
não tem bolsa para ninguém. É um projeto para a formação do docente, mas que atende
a comunidade surda, LGBTQI+, estudantes com alta vulnerabilidade
socioeconômica…Então, quando a universidade começa a sofrer cortes, isso
implica no atendimento à sociedade e também na permanência do estudante na
universidade e na manutenção desses prédios. Ficamos com um sentimento de
incerteza: como vai ser no próximo semestre? Vamos conseguir terminar nossa
graduação?”, questiona.
A UFPE não divulgou quantos
projetos serão suspenso e quantas bolsas devem deixar de ser oferecidas ao
longo do semestre com a suspensão do edital Pibexc. A pró-reitora de Extensão e
Cultura, Christina Nunes, não quis dar entrevista.
MEC não faz aceno para universidades
O orçamento de manutenção da
UFPE para 2019 foi previsto em R$ 172 milhões. O corte de 30% responde por R$
55,8 milhões. O orçamento geral da UFPE ultrapassa R$ 1,5 bilhão, mas o grosso
das despesas é com salários, o que não é de gestão orçamentária da UFPE. É com
os R$ 172 milhões que a UFPE estava contando para pagar segurança, limpeza e
manutenção de uma estrutura de 1,8 milhão de metros quadrados, dividida em três
campi. O dinheiro também é usado para repor equipamentos quebrados e para
alguns tipos de bolsas, como as de extensão e monitoria. Só de energia, a UFPE
paga uma conta mensal de R$ 2 milhões, nos meses com aulas.
Por enquanto, não há nenhuma
negociação entre o MEC e a UFPE para a liberação dos recursos. Em maio, o
ministro da Educação Abraham Weintraub chegou a condicionar a liberação dos
recursos à aprovação da Reforma da Previdência.
O pró-reitor de Planejamento,
Orçamento e Finanças da UFPE, Thiago Galvão, diz que só tem uma opção: ficar
otimista com a liberação da verba. “Se não for assim, vão parar todas as
universidades federais do país. Por mais que seja complicado a gente ter que
passar por essa situação, de cada vez mais ter que demonstrar a relevância
social da universidade, e de que educação não pode ser contingenciada desta
forma, temos otimismo de que o governo vai se sensibilizar. É um universo de
1,2 milhão de estudantes no Brasil, só na graduação, que está dependendo disso
para continuar a estudar no segundo semestre”.
A manutenção na UFPE também foi
prejudicada com a demissão de cerca de 60 funcionários terceirizados, após a
repactuação de contratos. “Funcionários que limpavam banheiros, por exemplo,
teriam que receber um salário maior. A UFPE não tinha verba para aumentar o
contrato e infelizmente houve demissões”, conta o pró-reitor.
Em nota à Marco Zero, o
Ministério da Educação afirmou que o “contingenciamento” é permitido pela Lei
de Responsabilidade Fiscal. E novamente condicionou a liberação da verba a uma
possível melhora do cenário econômico. “Entretanto, na expectativa de uma
evolução positiva nos indicadores fiscais do governo, o MEC vem articulando com
o Ministério da Economia a possibilidade de ampliação dos limites de empenho e
movimentação financeira a fim de cumprir todas as metas estabelecidas na
legislação para a Pasta. Caso o cenário econômico apresente evolução positiva
no segundo semestre, os valores bloqueados serão reavaliados”. A nota também
cita o programa Future-se como uma forma de “aumentar a autonomia financeira de
universidades e institutos”.
Os orçamentos das instituições
de ensino federais, no entanto, são feitos sempre um ano antes e aprovados pelo
Congresso. Ou seja, o valor da verba para UFPE já estava previsto no orçamento
da União desde o ano passado. Até o final do próximo mês, a Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) vai
encaminhar para o Congresso a proposta de orçamento de todas as universidades
federais para o ano de 2020. Ainda estão na fase de levantamento de dados, já
que os cálculos passam pelo número de estudantes matriculados, turnos de
funcionamento e tamanho da estrutura física. Quem deve gerir esses recursos na
UFPE é o próximo reitor, que assume em outubro. Na consulta à comunidade
acadêmica, quem ganhou o pleito foi o professor Alfredo Macedo Gomes,
do Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação e do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) do Centro de Educação. Falta ainda a
confirmação da escolha pelo presidente da República.