08 outubro, 2021

Nota dos técnicos sobre o apagamento do mural do CE

 

“Apagaram tudo
 pintaram tudo de cinza
a palavra no muro
ficou coberta de tinta
 apagaram tudo
 pintaram tudo de cinza
só ficou no muro
tristeza e tinta fresca”
(Marisa Monte)

O bonito e rico mural na fachada do Centro de Educação foi um acontecimento de potência artística, política e pedagógica que marcou toda a comunidade acadêmica que circulou pelo Centro e sua vizinhança nos últimos anos. Como resultado pontual da aproximação da academia com os movimentos sociais, o grafite proporcionou não apenas vida à cinzenta “testa” do CE, como também gerou um robusto debate público que movimentou por um tempo o hall do Centro, transformado numa pujante ágora, onde se revelou uma diversidade de posições político-pedagógicas e artísticas, das mais reacionárias às mais progressistas. De fato, o grafite, desde seu ponto de partida, cumpriu um importante papel sobre a discussão de um Centro de Educação no seio de uma universidade pública, sobre seu projeto de formação e suas tensões postas no encontro com as contradições de uma sociedade violenta, racista, machista e conservadora. Assim, a relevância do painel extrapolou as bordas da fachada do CE e instalou um confronto de ideias que só um espaço de corte democrático é capaz de levar a cabo.

Frutos de uma experiência ímpar, os desenhos pintados naquele mural por dois representantes da cena artística local, em articulação com a então direção do Centro, traziam referências do debate efervescente que o precedeu. Debate este, que refletiu uma proposta de Universidade pública com função social, pulsante e popular, bandeira histórica dos segmentos defensores da Educação Superior enquanto direito e espaço de formação de massa crítica na sociedade capitalista.

Entretanto, há de se destacar que as posições legalistas-punitivistas, além de se fazerem presentes desde a instalação do grafite, encontraram alguma sobrevida durante os anos subsequentes, sempre apresentando tentativas de APAGAMENTO dessa memória de um momento cujo debate democrático se fez presente com maior amplitude. Parece que diante de uma conjuntura nefasta e dramática no Brasil, inclusive para o campo da educação, e diante de um governo com claros traços autoritários, o aval para o EMUDECIMENTO dos de baixo, da periferia, da arte da periferia, ganha impulso e é levada adiante inclusive por setores que se vestem de roupagem democrata.

Se a justificativa da gestão do CE fundamenta-se na necessidade de renovar um mural existente há oito anos, é inaceitável que tal medida se concretize como apagamento e emudecimento, recolocando na invisibilidade não só as graves expressões da questão social, cuja reflexão se faz tão urgente devido ao aprofundamento das contradições do capital no país atualmente – aproveitando aqui para reafirmar a relevância das ciências humanas e sociais na Universidade, em tempos obscuros de ataque e desvalorização dessas áreas do saber –, mas também sujeitos que constroem o movimento da grafitagem no município, em toda a sua diversidade: artistas trans, indígenas, do movimento negro, dentre outros representantes.

Repudiamos o apagamento da ousada fachada grafitada do Centro de Educação. Ousada por imprimir uma visão de mundo e de arte dos setores escanteados da sociedade; ousada por colocar em discussão temas sensíveis e profundamente necessários no que toca à exclusão social, projeto de educação e democracia; ousada por dar cores e vida a uma universidade ainda marcada por elitismos e concentração de poder nas mãos de um setor. Entretanto, o histórico painel grafitado não será apagado da memória coletiva da comunidade acadêmica e ressurgirá pelas mãos e mentes dos sujeitos reiteradamente APAGADOS da violenta sociedade brasileira.