Por: Leilane
É minha intenção abrir para as mulheres as perspectivas de nossa revolução, oferecendo-lhes meios para que se forme uma mentalidade livre, capaz de discernir por si mesma o falso do verdadeiro, o político do social. Porque eu creio que mais urgente que organizá-la nos sindicatos – sem que despreze esta atividade -, é colocá-la em condições de compreender a necessidade desta organização. [Lucia Sanchez Saornil, Resumo acerca da questão feminina para o companheiro M. R. Vasquez, Revista Mujeres Libres, 1935]
O trecho acima foi escrito por uma militante da Revolução Espanhola há quase 80 anos, mas
poderia ser escrito por cada uma de nós em 2015: a vivência da luta sindical em plenos anos 2010
sugere que a situação das mulheres no movimento social mudou pouco ou quase nada. Pode parecer
repetitivo dizer que o machismo, a opressão da mulher pela figura de um macho, está presente em
todos os espaços da nossa vida. Inclusive no sindicato. Mas no contexto de nossa categoria, não é
NADA repetitivo.
É bom esclarecer, para quem estiver de fora da realidade do movimento de trabalhadores da UFPE,
que o movimento sindical na UFPE tem um debate bastante tímido quando se trata de Feminismo.
Infelizmente, nossas principais pautas de mobilização estão em sua maioria atreladas à exploração
econômica do trabalhador: reivindicamos aumento de salário, redução da jornada de trabalho,
reformas no plano de cargos e carreiras, etc. Na última década, mal conseguimos agregar para
pautas que saíssem do campo das necessidades, como a EBSERH, que é uma afronta ao povo
pobre. Qualquer debate que não bata no bolso fica relegado a segundo plano ou parece não ter
adesão massiva da categoria. Imaginem, então, se seria prioridade levar à frente uma luta sindical e
feminista.
Lembremos que as primeiras lutas sindicais se fortaleceram pela necessidade de os trabalhadores se
oporem a um sistema econômico emergente, o capitalismo. Ora, não tenhamos medo de resgatar
que o sindicalismo, desde sua origem, é uma luta ANTICAPITALISTA. Ele cresceu e se articulou
paralelamente à formulação das ideologias no campo do socialismo. Isto não está fora de moda e
não é coisa de livro didático: e é importante que, se insistimos em nos mobilizar enquanto categoria,
resgatemos esta história e lembremos de que nossa luta era por liberdade, e não pelo aumento do
vale coxinha. Lembremos também que a organização das mulheres também se deu no seio do
movimento sindical, e para além dele. O estabelecimento do 8 de março como o Dia Internacional
da Mulher está ligado às mobilizações de mulheres trabalhadoras no início do século XX.
Mas, na situação do nosso sindicato hoje, o socialismo e o feminismo estão ESCONDIDOS. O
pragmatismo tomou conta do movimento e não se dedicam mais espaços para formação política.
Não se fala mais na luta por uma nova sociedade através da organização dos trabalhadores. O
sindicalismo praticamente se reduziu à luta por salários, apesar de o capitalismo continuar sendo o
sistema que gera a exploração do povo. Da mesma forma, todas os outros tipos de dominação são
igualmente esquecidos. No dia a dia da luta, nós mulheres somos discriminadas e deslegitimadas, o
que reverbera nas pouca dedicação às pautas feministas, ainda colocadas em segundo plano. O
machismo continua lá: muito sentido, pouco falado, NADA REFLETIDO.
A dinâmica interna do movimento: assembleias, greves, dias de paralisação e de comemoração
Basta acompanhar uma assembleia ou mobilização do SINTUFEPE para percebermos a reprodução
de diversos comportamentos machistas, que podem passar desapercebidos por mulheres que, muitasvezes, passam por situações muito mais escancaradas dentro de casa. A presença de mulheres em
assembleia não garante, de maneira alguma, a diminuição da opressão ou o constrangimento dos
homens em repetí-las. Vamos elencar alguns pontos:
- Poucas falas de mulheres nos espaços: apesar de muitas vezes estarem em bom número nas
mobilizações, as mulheres se sentem constrangidas e, muitas vezes, não falam no microfone. Não é
só uma questão de timidez: a metodologia agressiva e machista nos espaços do movimento as
afasta. Muitas vezes, os "líderes" sindicais querem ganhar a assembleia no grito, do mesmo jeito
que ganham a briga com suas esposas em casa. Indo mais a fundo: existir um palco, uma mesa e um
microfone, faz o momento de fala parecer destinado aos "entendidos" do movimento. Ou seja: às
lideranças calejadas, em geral HOMENS. Faltam espaços de mobilização setorial, em que nós
mulheres nos sentiríamos mais à vontade, por serem espaços próximos, de convivência diária, para
que haja o emponderamento do discurso e, a partir de então uma mudança de quem fala.
- Indiretas para as mulheres, corte de fala das companheiras: muito dificilmente será visto em
qualquer sindicato um MILITANTE HOMEM falando com outro MILITANTE HOMEM enquanto
coloca as mãos na cintura do companheiro. No entanto, isto é mais do que comum quando se trata
de um MILITANTE HOMEM falando com MILITANTES MULHERES, principalmente as recém
chegadas no movimento e que se pretende trazer para a órbita política do militante em questão. Não
estou aqui dizendo que as companheiras apreciam este tipo de abordagem. Muito pelo contrário. A
intenção aqui é apontar que os homens se sentem completamente CONFORTÁVEIS em tratar as
mulheres como seres frágeis a serem acolhidos, com os quais se deve dialogar na posição de um
macho dominador, tal qual fazem na vida privada quando querem convencer com palavras mansas
uma mulher a concordar com a opinião deles. O comportamento se modifica, no entanto, quando
uma MILITANTE MULHER fala firmemente em oposição ao que o MILITANTE HOMEM quer
dizer. Nestes casos, podem acontecer duas coisas: esta mulher passa a ser tratada como uma pessoa
numa posição masculina de debate, pois pode, aos olhos dos homens, ser vista como possível
liderança, com a qual é melhor dialogar ou os militantes homens podem, simplesmente, se sentirem
à vontade para CORTAR A FALA DELA, pois o que ela está dizendo não vai agregar ninguém e ele
não precisa ter PACIÊNCIA de escutar.
Infelizmente, estes comportamentos têm se reproduzido ao longo dos anos e, ultimamente, não têm
sido objetos de denúncia ou reflexão. Digo, não temos desenvolvido políticas sindicais de combate
a este tipo de postura. Se historicamente isto já foi feito, precisamos retomar com firmeza esta tarefa
para que não deixemos passar estas posturas quando as virmos.
A prioridade pública ou “Costume de casa vai à praça”
Nenhuma luta é mais importante que outra, acabemos com o mito da
hierarquia de lutas que continua a reproduzir a divisão entre o público e o
privado, dando muitas vezes prioridade ao urgente em lugar do importante.
[O feminismo não é “um assunto de mulheres”, Tesoura Para Todas, 2014]
Os mesmos companheiros que reproduzem o machismo no dia a dia se abstém de contribuir nas
lutas feministas. O Caso Zaverucha, por exemplo, teve pouco apoio na base e não foi levado como
prioridade pelos militantes homens dentro do sindicato. Pouquíssimos companheiros ajudaram na
construção dos atos e da mobilização da campanha. Como se esta não fosse uma pauta a ser
abraçada pelo movimento inteiro. Como se só as mulheres tivessem de lutar contra o machismo.
A falta de reflexão cotidiana e formação política nas pautas de gênero e sexualidade só mantém as mulheres oprimidas dentro de um movimento que luta contra a exploração do trabalhador e que, por
princípio, deveria lutar contra todas as formas de opressão, por uma sociedade livre. Enquanto não
levarmos a sério a criação de um espaço auto-organizado de mulheres, um espaço exclusivo que
garanta o debate feminista entre todas nós, estaremos isoladas. O movimento sindical tem de
começar a ser um espaço acolhedor para as companheiras mulheres. E só o será quando todas e
todos conseguirem, com a mesma força, se indignar com o salario baixo e com uma agressão
machista.
Não podemos mais ser silenciadas. O microfone não pode ser monopólio masculino. O movimento
não é monopólio masculino. Nossa voz tem que ter lugar. E só a nossa organização pode demarcá-
lo.
O sindicalismo será feminista ou não será.