Por Maria Lucia Fattorelli e Eduardo
Moreira
A
Câmara dos Deputados aprovou, a jato, uma mudança na Constituição Federal para
beneficiar os bancos, os mesmos que há anos já vêm batendo recordes e
acumulando centenas de bilhões de reais de lucros. O novo pacote de ajuda aos
bancos compromete recursos do orçamento público de forma desastrosa e gera
dívida pública sem limite, tudo para engordar ainda mais o lucro dos bancos.
Agora, a responsabilidade do Senado é enorme, pois essa armadilha não pode
fazer parte da Constituição Federal.
A
desculpa é socorrer empresas durante a crise do coronavírus, mas não é isso que
está escrito no § 9º do novo artigo 115 que a PEC 10/2020 introduz ao ADCT da
Constituição brasileira. Referido dispositivo estabelece o seguinte:
Art.
115....
§ 9º O Banco Central do
Brasil, limitado ao enfrentamento da referida calamidade, e com vigência e
efeitos restritos ao período de duração desta, fica autorizado a comprar e
vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, nos mercados secundários local e
internacional, e direito creditório e títulos privados de créditos em mercados
secundários, no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos.
Na
prática, o Banco Central junta-se aos especuladores
utilizando dinheiro público
Inicialmente,
cabe ressaltar que a atuação do Banco Central em mercados secundários é
altamente temerária. O que são os mercados secundários? Mercado de balcão!
Negociação por telefone! Nenhuma regulação! Nenhuma supervisão! Sem referências
de preços dos ativos (como acontece, por exemplo, numa bolsa de valores onde
existe transparência e consolidação das melhores ofertas de compra e de venda).
Em momentos de crise, esta falta de referência fica ainda mais grave.
Imaginem
um funcionário do Banco Central ao telefone, comprando bilhões em papéis
podres. Sem contrato escrito, sem estudo sobre previsão orçamentária, ou sobre
o tamanho do dano ao erário que tal operação pode representar. Seria por isso
também que a MP 930 torna o pessoal do Banco Central inatingível pela lei de
improbidade administrativa?
A primeira
parte do referido § 9º acima transcrito autoriza o Banco Central (BC) negociar
títulos da dívida pública brasileira em mercados secundários no Brasil e no
exterior. Cabe observar que o artigo 164 da Constituição já autoriza o BC
comprar e vender títulos do Tesouro Nacional. A novidade aqui é a atuação do
Banco Central em mercados secundários, inclusive internacionais que operam em
dólar.
O que
pode acontecer? O BC poderá utilizar as reservas internacionais para recomprar
títulos públicos das mesas de tesouraria de grandes bancos e especuladores no
exterior, modificando completamente sua função original que é de proteção do
real e da economia brasileira. Na prática, o Banco Central junta-se aos
especuladores utilizando dinheiro público para isso. O que pode custar bilhões
aos cofres públicos que se reverterão em lucros para os bancos.
A
segunda parte do referido § 9º é ainda mais grave, pois coloca o Banco Central
como um receptáculo de papéis podres, sem limite ou controle algum,
beneficiando os bancos que adquiriram tais papéis no mercado financeiro.
Essa
aberração já foi aprovada na Câmara, e mais: a operação será bancada com 25% de
recursos do Tesouro Nacional no ato da compra (§ 10º do mesmo artigo 115),
porém, ao final, todo o rombo recairá sobre o Tesouro, pois este arca com todos
os prejuízos do Banco Central (LRF artigo 7º § 1º).
Esse
rombo pode custar trilhões, diante do grande volume de papéis podres existentes
no mercado e a completa falta de restrição ou limite no texto da PEC 10, que
abre a possibilidade dessa temerária compra pelo Banco Central envolver até
papéis de bancos nacionais e estrangeiros tecnicamente quebrados.
A mais
escandalosa transformação de dívidas
privadas em dívida pública
Estamos
diante da mais escandalosa transformação de dívidas privadas em dívida pública,
por meio de operação em que um banco intermediário é que vai ganhar nas duas
pontas do negócio, pois esse banco:
– lucrará em cima das
empresas em dificuldade, das quais adquirirá seus títulos de crédito a
baixíssimo custo, diante da desvalorização de seus papéis justamente devido à
crise;
– lucrará o que
quiser em cima do Banco Central, ao qual poderá vender esses títulos podres
pelo preço que bem entender, pois no mercado secundário não há referência,
controle ou supervisão alguma.
As
empresas em dificuldade não receberão um tostão sequer, como diz a propaganda
dos que querem aprovar essa aberração. Se esta for realmente a intenção, o
governo terá que enviar outro texto ao Congresso, explicitando a ajuda
diretamente a empresas brasileiras em dificuldade, exigindo inclusive que as
empresas beneficiadas garantam os empregos de seus funcionários e se comprometa
a não demiti-los.
A
medida também não causará impacto algum sobre as taxas do mercado primário de
emissões de títulos, dado que a situação das empresas em nada muda, pois a
ajuda é para os bancos e não para elas.
O que
está no referido § 9º do artigo 115 trazido pela PEC 10 é mais uma medida que
só beneficia os bancos. Motivo pelo qual tem sido tão celebrada nas mesas de
tesouraria.
Usualmente,
bancos adquirem papéis desvalorizados, atuando como especuladores, apostando na
ocorrência de uma reação que lhes permitiria ficar com todo o lucro. E quando
não ocorre essa reação, esses bancos têm que arcar com a perda decorrente de
sua atividade especulativa.
O que
esse § 9º da PEC 10 faz? Joga para a conta do Tesouro Nacional, ou seja, onera
o orçamento público e cria dívida pública, para que o Banco Central assuma
todos os riscos e compre a papelada podre adquirida por bancos que atuaram como
especuladores.
Assim,
ao contrário de ajudar empresas, o referido § 9º representa um pacote de ajuda
aos bancos que atuaram como especuladores e agora estão dando um jeito de
empurrar aos cofres públicos os ônus de sua especulação, e, ainda por cima,
usando o discurso da pandemia: uma verdadeira trapaça. Os que mais lucram nos
anos de bonança e os que jamais perdem nos anos de crise.
Na
Câmara, essa PEC 10/2020 foi protocolada na quarta-feira à tarde e votada na
sexta-feira à noite, sem o devido debate sobre as graves consequências dessa
matéria. Esperamos que o Senado atue com mais responsabilidade e impeça que
essa armadilha passe a fazer parte da nossa Constituição.
Assumir
os prejuízos dos especuladores das mesas de tesouraria, sem contrapartida
alguma, sem ajudar as empresas em dificuldade donas dos títulos e endividando o
Estado para depois cobrar a conta da maioria pobre do povo brasileiro é um dos
maiores absurdos já propostos neste que é o país mais desigual do mundo e o
lugar do planeta onde os bancos têm maior rentabilidade.